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Pavilhão do Vaticano é a maior surpresa da Bienal de Arquitetura de Veneza
Há seis países participando pela primeira vez da Bienal de Arquitetura de Veneza, em cartaz na cidade até novembro, mas a estreia mais surpreendente, sem dúvida, é a do Vaticano. Há séculos considerada uma das maiores patronas mundiais em termos de arquitetura pública, a Santa Sé nunca tinha alardeado seus feitos como parte dessa mostra internacional.
Porém, que ninguém se surpreenda, dada a tradição da Igreja, com o fato de seu pavilhão consistir em um tipo de peregrinação. Trata-se de uma instalação de dez capelas, criadas por uma dúzia de arquitetos, em um jardim densamente arborizado, aninhado em uma ilha rica em história na lagoa veneziana.
DOIS PRITZKER
Francesco Dal Co, curador do pavilhão, apresenta o espaço, abrindo as dez capelas projetadas por um grupo internacional de arquitetos que escolheu porque "tinham concepções estruturais diferentes e trabalhavam com materiais diversos". E entre eles, dois vencedores do Prêmio Pritzker: Norman Foster e Eduardo Souto de Moura.
Normalmente, os pavilhões nacionais da Bienal tendem a exibir versões, maquetes e esboços que documentam a criação dos edifícios, mas o "Capelas do Vaticano", como é chamado, apresenta os próprios prédios concluídos.
Aos arquitetos foi pedido que se inspirassem em uma obra concebida há quase um século: a Capela da Floresta, projetada pelo sueco Gunnar Asplund. Na apresentação da empreitada, Dal Co disse tê-la escolhido como um tipo de exemplo espiritual para os profissionais, descrevendo-a como uma "pequena obra-prima que dá a impressão de ter sido criada ao acaso ou pelas forças naturais dentro da vasta floresta, vista como a sugestão física do progresso labiríntico da vida, a perambulação da humanidade como um prelúdio ao encontro".
E, de fato, a primeira estrutura com que o visitante se depara é a choupana em estilo nórdico criada por Francesco Magnani e Traudy Pelzel, onde se vê esboços e a maquete da capela de Asplund. "Quis dar ao público uma indicação do nosso ponto de partida, da referência que demos aos nossos arquitetos", esclarece Dal Co.
Foster criou uma estrutura de madeira esguia, com a abside de frente para a lagoa; os operários estavam plantando pés de jasmim quando estive por lá, para que subissem pelas vigas de madeira e fornecesse um sombreado "salpicado". Ele colocou a capela "em um espaço verde com duas árvores maduras emoldurando belissimamente a vista da lagoa. É um pequeno oásis em um grande jardim, perfeito para a contemplação", escreveu no catálogo.
A capela do paraguaio Javier Corvalán Espínola convida à admiração e ao respeito no sentido físico, já que o visitante fica sob um imenso aro de aço inclinado apoiado em um tripé.
Uma das poucas a conter um telhado é a de Terunobu Fujimori, ou a "Capela da Cruz" (foto de abertura da matéria). O visitante atravessa uma passagem estreita para chegar a um templo espartano, tradicional, cuja abside se vê marcada por pedaços de carvão emoldurando uma cruz de madeira. No catálogo, o arquiteto escreveu: "Quero que o público experimente a sensação da ascensão do Filho de Deus quando vir o crucifixo."
Em alguns casos, Dal Co escolheu contrastar os materiais de construção: por exemplo, a capela de Francesco Cellini, uma interseção cuidadosamente estudada de placas de cerâmica imensas em preto e branco, faz composição com a "Capela Matinal", dos barcelonenses Ricardo Flores e Eva Prats, feita a partir do cocciopesto veneziano, muito mais rústico, feito a partir de azulejos triturados.
Para convencer o Cardeal Gianfranco Ravasi que é, na prática, o ministro da cultura de que o Vaticano deveria revolucionar, exibindo obras concluídas em vez de plantas e maquetes, Dal Co usou o que admitiu ser um "exemplo levemente vulgar", comparando as feiras de arquitetura "à união carnal do homem e da mulher, mas não a criação que dela resulta".
Era hora de dar vida àquelas interpretações estáticas, alegou Dal Co, historiador/professor de arquitetura que, há três décadas, foi o curador da quinta edição da Bienal Internacional de Exibição Arquitetônica. A deste ano é a 16ª, com a participação de 63 países.
CURADOR ATEU
O Vaticano concordou e, em março, um pequeno batalhão de prestadores de serviço, capatazes e engenheiros chegou à Ilha de San Giorgio Maggiore para transformar um jardim cheio de arbustos normalmente sem acesso ao público em rota de peregrinação arquitetônica para "quem crê e quem não crê também", reconta Ravasi.
Ou seja, a palavra, o pão e o vinho, que são a base do cristianismo explicou o cardeal, em março.
Tirando isso, Dal Co teve carta branca. A afiliação religiosa nunca foi fator crucial. "Eu não sou católico; aliás, sou ateu, e eles sabiam disso", revela. Tal liberdade se estendeu à escolha dos arquitetos, que Ravasi aprovou. Dal Co disse que nunca tocou no assunto da religiosidade com nenhum deles.
Os dois se falavam com frequência, embora o religioso nunca tenha interferido. "Nunca, nunca, nunca", reitera Dal Co, acrescendo, como se lembrasse na hora: "Mentira, só uma vez ele me perguntou, rindo, se haveria algum crucifixo."
Mas o cardeal não precisou se preocupar, afinal as cruzes algumas mais sutis, outras explícitas são elementos básicos em praticamente todas.
Fonte: O Globo